Uma das mais lembradas lendas da antiguidade é a de Narciso, um belo jovem que perseguia a caça na montanha. Desprezava o amor, embora as ninfas o perseguissem, enamoradas dele. Houve uma, Eco, que se apaixonou de tal maneira pelo belo mancebo que emagreceu a ponto de só restarem dela os ossos e a voz.(2).
A crueldade de Narciso nesse caso não constituiu uma exceção. Ele desprezou todas as ninfas, como havia desprezado a pobre Eco. (5). Conta-se que Nêmesis se encarregou de vingar as mulheres desprezadas. Um dia fez com que Narciso contemplasse o reflexo de seu rosto nas águas de uma fonte onde fora se refrescar. Insensível a tudo o mais, ali ficou o moço, extasiado diante da beleza do rosto que via no fundo da água. (2). Apaixonou-se por si mesmo. Baixou os lábios para dar um beijo e mergulhou os braços na água para abraçar a bela imagem. Esta fugiu com o contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação. (5) Perguntou-lhe Narciso: Por que me desprezas, belo ser? ...Meu rosto não pode causar-te repugnância. As ninfas me amam e tu mesmo não pareces olhar-me com indiferença. Quando estendo os braços, fazes o mesmo, e sorris quando sorrio, e respondes com acenos aos meus acenos. (5). E assim permaneceu até morrer. No lugar onde morreu, brotou uma flor que se chamou narciso.(2).
A flor é bela, mas não é Narciso. É a flor que nasce no lugar dele. Tal qual Don Juan de Marco que afirma que todo amante sabe que o momento de prazer vem quando o êxtase há muito terminou, e ele tem diante de si a flor que desabrochou ao seu toque.(4)
Seu delírio denuncia o protótipo daquele que inebria os sentidos e arrebata os corações femininos.
Uma nova conquista e a promessa de dar a mulher o maior prazer que já experimentara.(4)
É a paixão que o envolve completamente, e por isso não ouve as vozes das ninfas como Eco, que definham de ama-lo em vão. A ejaculação é rápida para a volta ao estado narcísico... a necessidade de retorno a um estado anterior a Eros, ou seja, o não desejo por um objeto que não seja ele mesmo (3). Afirma ser o maior amante do mundo, pois já amou mais de mil mulheres (4). E o ciclo recomeça, pois, em muitos casos, o que o Narciso sente e o que o perturba é o medo da entrega, "o pseudópode" que o chama para o outro. (3)
Nenhuma mulher deixou seus braços insatisfeita. Apenas uma o rejeitou e quis o destino que fosse ela a única importante, e por isso decidiu acabar com sua própria vida, mas antes, uma última conquista. (4)
Conquistas, antológicas conquistas ornamentaram a vida do poeta que disse: ...E assim quando mais tarde me procure/ Quem sabe a morte, angústia de quem vive/ Quem sabe a solidão, fim de quem ama/ Eu possa me dizer do amor (que tive)/ Que não seja imortal posto que é chama/ mas que seja eterno enquanto dure.(6)
Deve durar... o tempo da turvação da água da fonte.
(5) BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia.(A idade da fábula).História de deuses e Heróis. Tradução de David Jardim Júnior. Editora Tecnoprint S. A., 1965.
(2) GUIMARÃES, Rruth. Dicionário de mitologia grega. São Paulo: Eitora Cultrix, 1995.
(3) LA PORTA, Ernesto. Ejaculação precoce e outros ensaios psicanalíticos. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1987.
(4) LEVEN, Jeremy e CAPPOLA, Francis Ford. Don Juan de Marco.
LOWEN, Alexander. O corpo em terapia: a abordagem bioenergética. Tradução de Maria Silvia Mourão Netto. São Paulo, Summus, 1977.
(6) MORAES, Vinícius. Soneto da Fidelidade.
(1) VELOSO, Caetano. Sampa.
Atenção: Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 para o serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher.
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